segunda-feira, 27 de julho de 2009

3 toques e uma homenagem

Durante a madrugada desta segunda-feira, fiquei asistindo à reprise da entrevista do escritor e jornalista Gay Tallese, no Roda Viva, da Tv Cultura. Humano, literário, profundo. Lembrei-me de vocações. Ele falava e me vinha à mente os ideais da adolescência, da fase antes do vestibular, dos porquês do jornalismo. Detalhe: Mr.Tallese tem 77 anos e é considerado o papa do new jornalism, um jornalismo escrito como se fosse ficção. Anima a gente!

Ainda na tv cultura, vi, nesta segunda-feira, uma entrevista do Chico Buarque no antigo e genial Vox Populi. Acho que o Chico só teve os cabelos envelhecidos. O pensamento continua o mesmo. Destaque para o momento em que ele fala que ao jogar futebol (ele é ponta de lança), sente o mesmo que sente quando compõe. Duas formas de arte, então.

Ontem Telê Santana faria aniversário. Quando de sua morte, escrevi a ele um texto. Alguns já leram, peço desculpas. Mas o publico novamente aqui embaixo.

Ah, deixem seus emails nos comentários. Gosto de comunicar.
Abraços


Telê Santana, lições de vida através do futebol

Goethe disse certa vez que aquele que se apóia em uma vontade firme, vive um mundo a seu gosto. Desde os tempos de meninote, carregava na mente juvenil o desejo de ver pessoalmente o técnico de futebol Telê Santana. Isto porque gostava dele. Simples assim.
Telê montou a Seleção Brasileira de 1982, conseguindo juntar num só time magia, democracia, alegria e inovação. Foi o primeiro a fechar um quadrado no meio campo e o último a abolir o que chamamos comumente de “futebol-arte”. Então, na minha cabeça, pensava: ainda vou conhecer esse homem, o Telê Santana.
Vida que passa, crianças crescendo, fios de cabelos brancos despontando em mim como a dizer: lembra-te menino, da tua promessa de criança - um menino sempre confia em outro menino. Pois bem, era chegada a hora!
O ano era 2002. A cidade, Belo Horizonte. Trabalhava eu numa afiliada da Rede Globo, a EPTV Sul de Minas e, neste momento fazia uma experiência na Tv Globo Minas. Chega-me o Elzo, ex-volante da Copa do México de 1986, comentarista da tv em que eu trabalhava, amigo de horas boas e ruins e diz: “Rodrigo, quer ir na casa do Telê Santana? Grava uma entrevista com ele: estamos na véspera da Copa e tal e coisa...”.
Mais que depressa avisei aos “superiores” que teriam uma entrevista com Telê Santana. Vale aqui um parêntese precioso: o Elzo, volante de capacidade técnica apenas razoável, mas com um senso de direção e “vontade” fora do comum, conseguia uma coisa impossível: entrar na casa do Telê. E ainda me levar junto.
“Aqui em casa só entra o Zico, o Júnior e o Elzo. Depois que o papai ficou doente, temos que selecionar um pouco, senão fica muita gente”, foi assim que o Renê Santana, filho do Telê, nos recebeu na porta de entrada de um pequeno, simples, porém aconchegante apartamento, num bairro médio de Belo Horizonte.
Entro no apartamento e me deparo com a cena que ficaria na minha retina para sempre - Telê sentado à mesa, olhar catatônico. Dona Ivonete, abnegada esposa, dando de colherinha, sopa na boca do mestre.
Tudo me vem à mente neste momento: a promessa que fiz a mim mesmo na infância, as lembranças do enérgico Telê na televisão, as histórias que o Elzo me contava sobre ele, o futebol mágico de 82, a derrota para a França em 86, o derrame de Telê...tudo...parecia cena de filme.
O cinegrafista Marco Nascimento, mais um colega perdido no tempo, me sacode: “acorda Rodrigo, vamos gravar”. Foi a melhor entrevista da minha vida! Lembro-me, como se fosse hoje, o Telê dizendo: “Eu levaria o Romário para a Copa, ele joga bonito”. E o Renê, filho atencioso, pedindo: “Rodrigo, não coloca isso no ar, papai está muito sensível, anda falando a verdade além da conta. E outra, somos amigos do Felipão, não queremos problema.” Atendi o pedido do Renê, tanto é que ao chegar à redação da Rede Globo, comentei com o editor da casa que, rapidamente, queria mandar a resposta do Telê para o programa “Fantástico”. Eu disse: olha amigo, só se você tomar a fita da minha mão, porque me comprometi com o Renê.”
Em meio à gravação, paramos para tomar um café forte, bem servido com a tradicional acolhida mineira da dona Ivonete, mulher simples e de fibra. Em dado momento, e até hoje não sei bem o porquê disso, ela me conta toda a história do início da doença de seu marido: “o Telê teve o derrame foi durante o cateterismo. Ele passou mal no treino e o levaram para o hospital. Ai, durante o exame é que teve o acidente cardiovascular. Não é como todo mundo pensa.”
Mais uma revelação bombástica - Pô, eu repórter em início de carreira, com o cubo da Rede Globo em mãos. Tinha a matéria do ano, a chance de firmar carreira na emissora ou alçar outros vôos, quem sabe....mas, antes disso, vinha a promessa de criança: um dia ainda vou conhecer o Telê Santana. Então, apenas hoje, e nestas maltraçadas linhas, revelo isto com gratidão. Se alguma coisa de bom na vida me fez essa carreira amarga de jornalista, que nos coloca em posição de atirar pedras a todo momento, foi estar ao lado desta família.
Já no fim da entrevista, aproximando-se o momento de ir embora, aquela cena ainda congelada em minha retina – a dona Ivonete dando sopa na boca de Telê - eu com a camisa da Ferroviária de Araraquara nas mãos: “Queria deixar um presente pra vocês Renê: sou de Araraquara, interior de São Paulo, a camisa do time da cidade...” O Telê olha e exclama: “Ferroviária!”, com aquele sorriso gostoso que só ele sabia dar: deu pra entender, pela expressão do rosto, a simpatia do mestre pelo time. Mais uma conquista da minha infância!
Olho pro Elzo. Ele, com tanta história no Atlético Mineiro, no Benfica de Portugal, no Palmeiras, um homem daquele tamanho, com lágrimas nos olhos: “ô Rodrigo, vamos indo, deixar o comandante descansar”. Engraçado e esclarecedor, o Elzo, depois de tantos anos, se referir ao Telê desta forma: comandante.
No início deste ano, a cena se repete: estávamos nos estúdios da Rede Mulher em São Paulo, ao vivo para todo o Brasil, no programa do Milton Neves: lembro de uma história do Telê e o Elzo deságua novamente em lágrimas. O Milton me fala no ar: “Rodrigo, você está emocionando o Elzo. “ Ao que respondo: “to nada, é o Telê que mudou a vida dele. O Elzo o tem como um pai.”
Numa outra ocasião, o Milton Neves me pede para entrevistar o Galhardo, ex-zagueiro do Fluminense, Corinthians e Ferroviária, décadas de ouro de 60 e 70. Ao fim da entrevista, o Galhardão me diz num sotaque carregado dos morros cariocas: “Pô rapaz, não dou entrevistas pra mais ninguém, mas já que contei estas histórias aí pra tú, deixa eu mandar um recado pra um amigo que fiz no Flu”. Ai ele começa a falar do Telê e chora, sua esposa, que acompanha a entrevista, chora também...
E assim teria outras mil histórias de menino pra contar de Telê. Só que hoje, 21 de abril, dia da Inconfidência e de Tiradentes, quem chora é o Brasil. Chora por este mineiro de Itabirito que trazia na veia o romantismo assumido. Telê nos ensinou a exercitar o amor, através do futebol. Lágrimas correm aqui, acolá e em todo os cantos.
Aos torcedores do Fluminense, aos são-paulinos, aos bugrinos, atleticanos, gremistas, brasileiros, aos seres humanos. O fio da esperança, agora, é nosso santo lá de cima. Santo Esperança Telê Santana.
Um outro mestre, este dos escritos, o Drumond, dizia que lutar com palavras é uma luta vã. Então não há mais nada a dizer. Não cabe.
Segue em paz, velho mestre. E vela por nós, para que possamos jogar bonito aqui embaixo.

terça-feira, 14 de julho de 2009

O barulho silencioso da Gaviões

Terça-feira.
Chegamos à quadra da Gaviôes da Fiel por volta das 6 da tarde.
Tambores, rojões, barulho. Torcedores tatuados de corinthians da cabeça aos pés. Em meio ao aparente caos, surge uma moça de feições suaves e voz firme:

“- Acabei de saber que viriam. É pra fazer a reportagem da torcida que vai a Porto Alegre, né?"

“- Isso. A gente...." - tentei continuar.

“-Olha eles vão viajar durante umas 20 horas. Isto só pra ir. Depois, mais vinte pra voltar...Vou arrumar uns personagens legais pra você gravar: tem um menino que vem de Goiânia pra cá todo jogo. E daqui vai pra onde o Corinthians for. Já volto” - sentenciou.

Nem precisei produzir a reportagem. A menina sacava as coisas rápido. Depois fiquei sabendo que Érica – acho que esse era o nome – era uma espécie de secretária da torcida. E resolvia tudo, com pulso firme : “Não dá tempo de brincar aqui, é muita gente”, comentou.
Era muita gente. 1200 torcedores que iriam até Porto Alegre, onde o Corinthians se tornaria campeão da Copa do Brasil, contra o Internacional. A viagem era de ônibus fretado, ou alugado. Alí na concentração, antes da partida, comecei, ainda que timidamente, prever o que seria mais uma demonstração de idolatria e fé.
Começamos a gravar. Gente de todos os tipos e cores: casais, filhos, trabalhadores
“– Mas vocês não trabalham amanhã?”
“-Trabalhamos, mas se perder o emprego e o Corinthians vencer , a gente arruma outro emprego melhor. Deus ajuda!”

“- Escuta, tudo bem, entendo um pouco a paixão de vocês, mas 20 horas de viagem, pra assistir duas horas de jogo e depois voltar em mais 20 horas, são dois dias inteiros, vale a pena?”
A resposta vem de uma senhora de 67 anos, isso mesmo, 67 anos
“ – Olha, vale muito a pena. Isso aqui é minha vida. Tanto é que meu marido fica em casa, não quer ir, nao vai.”- falou sem culpa.
“- E respeitam a senhora no ônibus? “
“- A gente se dá o respeito, né meu filho...”.
Começo a me apaixonar pela paixão deles. Em meio ao fanatismo encontro Dênis, diretor social da Gaviões da Fiel. “Rapaz, tô super nervoso, hoje à noite tenho que ir até a MTV, no programa do Lobão. Tenho um debate sobre torcida organizada. Todo mundo só debate a questão da violência, mas ninguém quer fazer reportagem do trabalho social.”

“- Olha Dênis. Eu vim fazer reportagem da viagem desse “bando de loucos”, mas posso escrever algo no meu blog pessoal, desde que o trabalho exista, de fato.”
“- Venha ver.”
E aí o espanto foi geral. Como pode uma torcida organizada, tão estereotipada pela grande mídia, oferecer sala de internet com reforço escolar para crianças da comunidade? Na segundo andar do ginásio ainda vejo uns atletas treinando e Dênis me socorre “-São aulas de arte marciais, também para o pessoal da comunidade”.
Ponderei que a questão das organizadas não era fácil. Que havia e há muitos precedentes, o tema é polêmico. E o Dênis corroborando: “Aqui existem os dois lados, como em qualquer outra inatiruição organizada da sociedade. Não dá pra generalizar, mas se o menino quiser ir para o lado bom, da cidadania, vai encontrar espaço”
Humildade, Lealdade e Procedimento. Olhei para a inscrição na parede do ginásio e comecei entender um pouco o outro lado da história. Absorto em meus pensamentos, fui “acordado” pelo Dênis:

“ -Está na hora da sopa, venha tomar um pouco com a gente.”, convidou, sorridente.
Cheguei à cozinha, fui apresentado às simpáticas cozinheiras - “Uma vez por semana, servimos sopa aqui na quadra da gaviões. O pessoal trabalha o dia inteiro e chega com fome. Experimenta”
Ainda não havia terminado o meu trabalho, mas tomei dois pratos da saborosa sopa. A meu lado, além da equipe de reportagem, estava o Maradona, cachorro que, segundo eu soube, já fazia parte da torcida.
Fui terminar minha gravação. Peguei outros ótimos personagens. Mas era outra coisa que me pegava: como entender aquela gente que só se vê caricaturizada nas brigas horríveis em programas de tv. Lembrei de uma frase que ouvi esses dias: Uma bomba faz mais barulho que
um abraço.
Dênis tirou umas fotografias. Pedi a ele pra me enviar. Enviou, no prazo combinado. Como enviou também informações do I Encontro Nacional de Torcidas Organizadas e Uniformizadas – Paz no Futebol.
Fiquei de escrever uma crônica, falando dessas pequenas coisas, que não fazem barulho. Estão aqui Dênis, neste pequeno espaço. Espero que faça um barulhinho.
abraços