segunda-feira, 29 de março de 2010

Armando Nogueira 83



Inspirado em México 70, crônica mais famosa do autor, publicada por ocasião da conquista do tri-mundial da seleção brasileira, no Jornal do Brasil

E as palavras, eu que vivo delas, onde estão? Onde estão as palavras para contar a vocês e a mim mesmo que Armando Nogueira morreu? O Brasil está triste e toda a multidão de leitores está em transe. Parece uma comoção nacional: admiradores com os olhos deitados nos livros, revistas, jornais e arquivos. Cem olhos a lembrá-lo.

Levam-lhe os jornais levam-lhe os livros. Sei que é total a alucinação nos quatro cantos do país, mas só tenho olhos para a cena insólita: há muito que arrancaram as crônicas esportivas dos jornais. Só faltava, agora, alguém tomar-lhe a vida, derradeiro poeta da bola. Uma pena lírica de um semideus dos escritos.

Mas, felizmente, a cautela e o sangue-frio vencem sempre: venceram, com o Brasil, o
Mundial de 70, e venceram, também, na hora em que o desvario pretendia deixar Armando Nogueira completamente esquecido aos olhos de quase duzentos milhões de brasileiros.

E lá se vai Armando, correndo pelo céu afora, coberto de glórias, coberto de lágrimas, atropelado por uma pequena multidão. Essa gente, que está aqui por amor, vai acabar
sufocando as crônicas de Armando Nogueira. Se os jornalistas não entram em campo para homenageá-lo, coitado dele.

Coitado, também, dos livros de Armando, pendurados em mil prateleiras – Drama e glória dos Bicampeões, Na Grande Área, Bola na Rede, O Melhor da Crônica Brasileira, Bola de Cristal, O Homem e a Bola, A Copa que ninguém viu e a que não queremos lembrar, O Canto dos meus Amores, A Ginga e o Jogo e um sombreiro imenso de outros textos, entrelaçando ficção e realidade, carregando, por todos os lados, o sabor da paixão coletiva.

O jornalismo brasileiro, nesse momento, é um manicômio: botafoguenses e vascaínos, corintianos e palmeirenses, flamenguistas e fluminenses, com bandeiras enormes, engalfinham-se num estranho esbanjamento de alegria e saudosismo.

Agora, quase não posso ver o futebol lá embaixo: chove reportagem e emoção no texto de Nogueira. Esse acreano que nasceu jornalista foi feito para o futebol: sua arquitetura de palavras põe o povo dentro do campo, criando um clima de intimidade que o futebol, somente em Armando Nogueira, toma emprestado à literatura.

Cantemos, amigos, a fiesta brava, cantemos agora, mesmo em lágrimas, os derradeiros instantes do mais bonito texto que meus olhos jamais sonharam ver.

Pela correção dos parágrafos, escritos em oitenta e três anos de vida. Pelo respeito com que todos os profissionais da imprensa prestam a ele, imagem a imagem, reportagem a reportagem, trocando informações, trocando consolo, trocando destinos que hão de se encontrar, novamente, em alguma crônica de Armando Nogueira.

Choremos a alegria de uma vida admirável em que o Brasil fez futebol de fantasia, fazendo amigos. Fazendo irmãos em todos os continentes.

Orgulha-me ver que o futebol, nossa vida, é o mais vibrante universo de paz que o
homem é capaz de iluminar com uma máquina de escrever, seu brinquedo fascinante. Oitenta e três anos, nenhuma baixa. Várias emissoras de TV e jornais – hoje ele morreu. Mas não há bandeiras de luto no mastro dos heróis do futebol.

Por isso, recebam, logo mais, no velório, no Maracanã, o herói do Mundial de 70, de 1994, de 2002 com a ternura que acolhe em casa os meninos que voltam do pátio, onde brincavam. Perdoem-me o arrebatamento que me faz sonegar-lhes a análise fria da obra de Armando Nogueira. Mas textos póstumos são assim mesmo: as análises
cedem vez aos rasgos do coração. Tenho uma vida profissional cheia de ídolos que já se foram e, em nenhum deles, falou-se de análises de vidas. Homenagem é sublimação, homenagem é pirâmide humana de olhos nas frases geniais de Armando Nogueira: “Heróis são reféns da glória. Vivem sufocados pela tirania da alta performance” ou, ainda: “Deus é esférico”. Homenagem é antes do nascimento, depois do nascimento. Nunca durante a vida.

Que humanidade, senão a do esporte, seria capaz de construir, sobre a abstração de um texto, a cerimônia a que assisto, neste instante, querendo chorar, querendo gritar? Os campeões mundiais de futebol em volta do caixão, a beijar a corpo de Armando Nogueira, pai adotivo de todos nós, brasileiros? Ternamente, o capitão Carlos Alberto cola o corpinho dele no seu rosto fatigado: escreveu para sempre, escreveu por ti, adorável peladeiro do Aterro do Flamengo. Armando, agora, é teu, amiguinho, que mataste tantas aulas de junho para ler seus textos. Ele é quem vai baixar, em espírito, no Jalisco de Guadalajara.

Sorve nos textos de Nogueira, amiguinho, a glória de Pelé e do nosso futebol, que tem a fragrância da nossa infância.

Armando Nogueira é eternamente teu, amiguinho.

Até que os deuses do futebol inventem outro.

Rodrigo Silva Viana é jornalista, com mestrado em Literatura. Analisou crônicas de futebol. É também professor de jornalismo esportivo na pós-graduação da FMU – Faculdade Metropolitanas Unidas.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Da pureza 3

O texto é velho. Publiquei-o a primeira vez quando o Dorival Junior chegou à semifinal do Paulista pelo São Caetano.
Depois, quando o Vasco arrancou rumo ao título da série B, tornei a fazê-lo presente.

Agora é o Santos, que ganha de 9 x 1.
O texto é velho, mas a pureza continua a mesma

"Vejo o Junior uma vez por ano. Seu Dorival, o pai, mora no Santana, pertinho da casa de meus saudosos avós maternos Dito e Niva. Quando é Natal ou outra data importante do ano, o pica-pau, apelido dele, pára pra prosear. Falamos de tudo: do seu trabalho como desenhista na Viana engenharia na Rua Expedicionários do Brasil, no São José, quando ainda cursava o técnico em agrimensura no Logatti. Ele pergunta por meu pai e tios, depois lembro do futebol dele na Ferroviária na década de 80. Palmeiras, Grêmio, Juventude e outros tantos. No fim do ano passado paramos naquela mesma esquina para conversar:

- Fui convidado para dirigir o Paysandu. O time está na série A do Brasileiro, mas vou agradecer e recusar. Formaram a equipe agora. Tudo na vida tem que ser feito aos poucos, por etapas – contou o Junior no seu tom sereno e tranqüilo. Resultado dessa conversa: o Junior foi dirigir o Sport Recife e terminou como campeão pernambucano e o Paysandu, sem Junior nenhum comandando, foi rebaixado para a segunda divisão.

Ultimamente, além da esquina da casa da vó, o Brasil está tendo a oportunidade de conhecer de perto o Dorival Junior . Todos os finais de semana, em rede nacional, nas principais emissoras de televisão do Brasil ou nos jornais da capital, todos se perguntam, assombrados, quem é esse rapaz que conseguiu aplicar, de uma só vez, um nó tático no Muricy Ramalho do São Paulo e outro no Santos, do inatingível Vanderley Luxemburgo.

O rapaz, técnico do time do São Caetano, é sobrinho do moço de Araraquara. O moço de Araraquara – expressão criada por Fiori Gigllioti - é o Dudu, médio-volante dos áureos tempos grenás e mágico da academia de futebol do Palmeiras dos anos 70.

Assim como o Dudu , o Junior é cria da Ferroviária. A classe que ele ostenta com as palavras – a mesma que, ao lado do tio, tratava a bola – certamente está relacionada com o fato de os dois terem surgido na Ferroviária.

Claro que a boa educação que Junior e Dudu receberam da família influenciaram suas trajetórias. Mas como disse o escritor Lourenço Diaféria em sua crônica Que Simpatia!, em 1968, `além da simpatia, a Ferroviária possui também a fortaleza dos times de bem, cultivando o futebol com carinho e seriedade. Para ela, o futebol não é um fim, é um meio. Um instrumento de afirmação, uma ferramenta de trabalho, pela qual zela e do qual cuida.`

Talvez seja também por isso que o treinador da Ferroviária, Édson Só, vem fazendo este trabalho primoroso na série A-3 do campeonato paulista. Deve também ser esta a exata explicação para o gol nos acréscimos do Leandro Donizete na vitória grená do último sábado.

O momento do Junior no São Caetano e da Ferroviária no Paulista da A-3 convergem para o mesmo caminho que fazia os grandes tremerem em Araraquara nas décadas de 60, 70 e 80. A locomotiva parece caminhar de volta aos trilhos. "

quinta-feira, 11 de março de 2010

Twitteneurose

Não, a palavra não existe. Mas criei-a, assim como Evan Willians, Biz Stone e Jeff Bezosque, criaram o microblog. Lá, posto minhas idéias sobre o jornalismo esportivo, professor que sou. Converso com amigos, reencontro outros e discuto coisas. Às vezes, e não são poucas, escrevo bobagens por lá.
Mas também perco amizades. Dia destes, um ex-amigo de outro estado do Brasil, me desejou, via twitter, o inferno. Isto mesmo! “Então vai pro inferno” foi a tuitada dele, em tom agressivo. O motivo? Dei um unfollow em seu perfil. Ou, para traduzir, parei segui-lo – o cara escrevia compulsivamente sobre tudo e todos e ainda retuitava (replicava conteúdo de outras pessoas) a todo momento. Expliquei pra ele que os twitters dele me atrapalhavam, que eu precisava trabalhar, que usava o microblog como fonte de informação/discussão...nada adiantou. Tive que contentar-me em procurar o caminho do inferno, logo eu, que vivo buscando a estrada oposta – a do paraíso.
Hoje acordei disposto, alegre, com um monte de planos e trabalhos pra fazer. Ao acessar o microblog, deparei-me com uma mensagem de uma amiga: “ Estou brava com você, porque não respondeu meus twitters”. Pensei em responder dizendo a verdade, isto é, que não tive tempo, ou que não acho assim tão importante dar “bom dia” no twitter, que prefiro relações reais, enfim. Guardei-me.
Vim para o papel em branco e rabisquei isto que lêem. Continuo achando uma maravilha as novas ferramentas da interatividade digital e suas possibilidades de comunicação. Mas abomino qualquer forma de ruído que as novas mídias possam gerar. Principalmente quando não há motivo pra isso. Já temos neuroses demais com que nos preocupar.